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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

As Contribuições de Lattes à Física Experimental. .

O físico brasileiro Cesare Mansueto Giulio Lattes (1924-2005) deu grandes contribuições à Física Experimental, que podem ser vistas nos seguintes livros: Topics on Cosmic Rays: 60th Aniversary of C. M. G. Lattes, Volumes 1, 2 (Editado por José Bellandi Filho e Ammiraju Pemmaraju, EDUNICAMP, 1984); Crônicas da Física, Tomo 3 (José Maria Filardo Bassalo, EDUFPA, 1992); Cesar Lates 70 Anos: A Nova Física Brasileira (Editado por Alfredo Marques, CBPF, 1994); Os Cinqüenta Anos do Méson (Organizado por Amélia Império Hamburger, IFUSP/Estação Ciência, 1998); Cesar Lattes, a descoberta do méson e outras histórias (Editado por Francisco Caruso, Alfredo Marques e Amós Troper, CBPF, 1999); Físicos, Mésons e Política: A Dinâmica da Ciência na Sociedade (Ana Maria Ribeiro de Andrade, HUCITEC/MAST/CNPq, 1999); e César Lattes: Descobrindo a Estrutura do Universo (Entrevista com Jesus de Paula Assis, EDUNESP, 2001). Neste verbete, destacaremos algumas dessas contribuições. Logo depois de receber, em 1943, o grau de Bacharel em Física pela então Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLUSP), Lattes começou a trabalhar, quer em Física Teórica, quer em Física Experimental, com os físicos, o ítalo-russo Gleb Wataghin (1899-1986), e os brasileiros Mário Schenberg (1914-1990) e Walter Schützer, físicos que ensinavam e pesquisavam nessa Faculdade.
Entusiasmado com a Física Experimental [pois conseguiu por em funcionamento a câmera de Wilson que seu amigo e professor, o físico italiano Guiseppe Pablo Stanislao Occhiallini (1907-1993) lhe deixara, ao voltar para a Europa], Lattes seguiu, no começo de 1946, para a Universidade de Bristol, na Inglaterra, para colaborar com o grupo de pesquisa liderado pelo físico inglês Sir Cecil Frank Powell (1903-1969; PNF, 1950), e do qual fazia parte vários físicos, dentre os quais se destacavam o inglês Hugh Muirhead e, inclusive, o próprio Occhialini, quem, aliás, indicou Lattes a Powell.
Esse grupo de pesquisas (mais tarde conhecido como o famoso Grupo de Bristol) fazia experiências com emulsões nucleares expostas à incidência de raios cósmicos. Foi, justamente, numa dessas experiências nas quais emulsões nucleares [com boro (B), sugestão de Lattes, e sem boro, normalmente utilizadas] foram expostas no Pic du Midi, nos Pirineus, e no monte da Chacaltaya, nos Andes bolivianos, que a partícula méson p, píon) foi descoberta. Esta foi anunciada por Lattes, Muirhead, Occhialini e Powell na Nature 159 (p. 694) e por Lattes, Occhialini e Powell na Nature 160 (pgs. 453; 486), em 1947.
De posse desse resultado, Lattes começou a materializar sua idéia de que essas novas partículas (mésons pesados) poderiam ser produzidas artificialmente. Ainda em 1947, a Universidade de Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos da América do Norte, acabara de colocar em funcionamento o novo acelerador de partículas denominado sincrocíclotron, de 184 polegadas e que acelerava partículas a a 380 MeV. Lattes imaginou então produzir os p nesse acelerador. Pois bem, por indicação de Wataghin, ele recebeu uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller. Porém, aquele acelerador fora construído com verbas da Comissão de Energia Atômica Americana e, portanto, o acesso a ele não era muito simples, tendo em vista o Pós-Guerra. Então, em uma de suas viagens ao Rio de Janeiro, Lattes e o físico brasileiro José Leite Lopes (n.1918) foram falar com o Almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva, representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica das Nações Unidas, para conseguir permissão a Lattes trabalhar no novo acelerador. Ela foi conseguida por Bernard M. Baruch (1870-1965), representante norte-americano naquela Comissão. Contudo, antes de seguir para a Califórnia, Lattes esteve em Copenhague, por convite do físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922), e também na Suécia, para falar de seu trabalho em Bristol.
Muito embora soubesse que partículas a de 380 MeV (95 MeV/núcleon) eram insuficientes para produzir mésons p, Lattes pensava contar com a energia de Fermi (movimento interno) dos prótons e nêutrons componentes da a, para a produção desejada, conforme ele próprio e Leite Lopes haviam checado. Assim, em fins de 1947 e com essa idéia em mente, partiu para Berkeley e, em 1948, juntamente com o físico norte-americano Eugene Gardner (1913-1950) produziu os primeiros mésons pi negativos (p-) (Science 107, p. 270, 1948; Proceedings of the American Physical Society, 1948). Mésons pi positivos (p+) também foram produzidos por Lattes, Gardner e John Burfening (Physical Review 75, p. 382, 1949). (Registre-se que Burfening, assim como S. White, K. Bowler, S. Jones e F. Adelman, foram alunos de doutoramento de Lattes.) Nessas experiências, esses mésons pi tiveram suas massas estimadas em cerca de 300 vezes a massa do elétron (). A descoberta do p teve grande repercussão mundial a ponto de ser atribuído a Powell, o PNF de 1950. No Brasil, essa descoberta teve uma grande divulgação na imprensa feita por Leite Lopes. Aliás, segundo Lattes, o Comitê Nobel pensou atribuir o Prêmio de 1950 para Powell, Lattes e Gardner. Contudo, como Gardner estava bastante doente, havia a preocupação de que ele poderia morrer antes de recebê-lo. Realmente Gardner morreu em 27 de novembro de 1950.
Depois de uma breve vinda ao Brasil para ser o Patrono dos Químicos Industriais na Escola Nacional de Química no final de 1948, Lattes continuou em Berkeley. Assim, no começo de 1949, com o síncrotron, que acelerava elétrons a 300 MeV e construído pelo físico norte-americano Edwin Mattison McMillan (1907-1991; PNQ, 1951) [célebre por haver descoberto, juntamente com o químico norte-americano Philip Hauge Abelson (1913-2004), o elemento químico neptúnio (Np), em junho de 1940], Lattes detectou cerca de uma dúzia de mésons pi carregados, bem como obteve a primeira evidência experimental do méson neutro (hoje, p0), produzidos por fótons. Esse trabalho, no entanto, ficou inédito. É oportuno observar que o físico norte-americano Ernst Orlando Lawrence (1901-1958; PNF, 1939) - inventor do cíclotron, em 1932 - de início, negou-se a acreditar na produção artificial de mésons pi. Observe-se, também que em 1950 foi confirmada a existência do p0, observado em experiências independentes realizadas por dois grupos de físicos experimentais norte-americanos: R. F. Bjorklund, W. E. Crandall, B. J. Moyer e H. F. York (Physical Review 77, p. 213) e Jack Steinberger (n.1921; PNF, 1988), Wolfgang Kurt Hermann Panofsky (n.1919) e Jack Stanley Steller ( 78, p. 802).
Depois do sucesso em Bristol e em Berkeley, Lattes voltou ao Brasil e, juntamente com algumas personalidades políticas e científicas brasileiras [irmãos Lins de Barros (Ministro João Alberto, Nelson e Henry), Antônio Aniceto Monteiro, Leopoldo Nachbin, Francisco Mendes de Oliveira Castro, Elisa Frota Pessoa, Gabriel Fialho, Leite Lopes, Jayme Tiomno, Lauro Xavier Nepomuceno, Euvaldo Lodi, Almirante Álvaro Alberto, Mário Schenberg e José Goldemberg] ocupou-se na criação de organismos para produzir, organizar e fomentar a pesquisa científica, em particular, a pesquisa física, tais como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 4 de fevereiro de 1949, o então Conselho Nacional de Pesquisas (hoje, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq), em 1951, e o Laboratório de Emulsão Fotográfica da Cadeira de Física Superior do Departamento de Física da FFCLUSP, no começo de 1960, da qual era titular. Nesse Laboratório, em 1962, Lattes organizou o famoso Grupo de Colaboração Brasil - Japão que teve a importante participação de físicos japoneses famosos, dentre os quais se destacam Yoichi Fujimoto, Shun-ichi Hasegawa, Mituo Taketani (1912-2000) e Hideki Yukawa (1907-1981; PNF, 1949).
Em 1967, Lattes transferiu-se para o Instituto de Física da Universidade de Campinas e começou a organizar o hoje famoso Departamento de Raios Cósmicos, Cosmologia, Altas Energias e Léptons. Nesse Departamento, Lattes deu continuidade à Colaboração Brasil - Japão (e, também, com a participação da Rússia e da Polônia) que apresentou resultados importantes para a Física, tais como a descoberta de uma série de eventos novos, do tipo bola-de-fogo (fireball) [segundo Lattes, esse nome foi dado pelo físico italiano Giuseppe Cocconi (n.1914)], eventos esses resultantes da interação de raios cósmicos com núcleos da atmosfera e observados na câmera de emulsão colocada no cimo de montanhas [Chacaltaya (Bolívia), Pamir (Rússia), Fuji (Japão) e Kambala (China)]. Esses eventos foram comunicados em vários Congressos Internacionais, dos quais destacamos: Mírim [pequeno, em tupi-guarani ()], Jaipur (Índia), em 1963; Açu [grande, em tupi-guarani ()], Calgary (Canadá), em 1967; Guaçu [muito grande, em tupi-guarani ()], Hobart (Tasmânia), em 1971; Centauro (), Denver (USA), em 1973; Mini-Centauro (), Plovdiv (Bulgária), em 1977; Geminion (), Delaware (USA), em 1978; Chiron (), Wisconsin (USA), em 1981. [Novos eventos "exóticos" ("bolas-de-fogo") encontrados por aquela Colaboração, entre 1981 e 1993, estão relacionados no livro editado pela EDUNESP e referido no início deste verbete.] Observe-se que o nome centauro (ser mitológico representado por metade homem, metade cavalo) foi dado por causa de um acontecimento estranho em sua produção. Enquanto na "família tupi-guarani" (na qual ocorre produção múltipla de píons), a energia observada era maior na câmara de cima do que na câmara de baixo, na "família mitológica" (na qual ocorre a produção de hádrons "exóticos" não-piônicos), ocorria o contrário. É oportuno destacar que as "bolas-de-fogo" também foram observadas em aceleradores de partículas, conforme o físico italiano Carlo Rubbia (n.1934; PNF, 1984) anunciou, em Kyoto (Japão), em 1985.
O trabalho científico de Lattes proporcionou-lhe grandes honrarias tanto no Brasil como no exterior. Dentre elas, destacam-se o título de "Cavaleiro da Grande Cruz", outorgado pela Ordo Capitulares Stellae Argentae Crucitae (1948); Prêmio Einstein, da Academia Brasileira de Ciências (1951); o Prêmio Ciências, do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (1953); o Prêmio Evaristo Fonseca Costa, do Conselho Nacional de Pesquisas (1957); Cidadão Honorário da Bolívia (1972); a Medalha Carneiro Felipe, do Conselho Nacional de Energia Nuclear (1973); a Medalha dos 25 anos da SBPC (1973); o Prêmio Moinho Santista - Física (1975); a Comenda Andrés Bello, outorgado pelo Governador da Venezuela (1977); o Prêmio Bernardo Houssay, da Organização dos Estados Americanos (1978); o Prêmio em Física, da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, sediada em Trieste, Itália (1987); a Medalha dos 40 anos da SBPC (1988); a Medalha Santos Dumont (1989); e o Símbolo do Município de Campinas (1992). Era Membro de diversas instituições científicas: União Internacional de Física Pura e Aplicada, Conselho Latino-Americano de Raios Cósmicos, Academia Brasileira de Ciências, e das Sociedades de Física (brasileira, alemã, americana, italiana e japonesa). Além dessas honrarias, César Lattes é nome de logradouros (ruas e prédios) em algumas cidades brasileiras, foi Doutor Honoris Causa, da USP e da UNICAMP (nesta, foi, também, Professor Emérito), possui verbetes a ele dedicados nas Enciclopédias: Britânica, Delta Larousse, Delta Universal e Gênios da Humanidade, de Isaac Asimov, e é citado no livro Twentieth Century Physics, Volumes I, II, III, editado por L. M. Brown, A. Pais e Sir B. Pippard (Institute of Physics Publishing e American Institute of Physics Press, 1995). Registre-se que o CNPq prestou-lhe uma grande homenagem ao cadastrar os cientistas brasileiros com o curriculum vitae escrito na plataforma Lattes. 

fontes: site seara da ciência

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